Conversa com Ângelo Ramalho

em almoço a convite do Diário Económico.

A viver no Porto desde que assumiu os destinos da Efacec, há ano e meio, aproveitámos uma vinda a Lisboa de Ângelo Ramalho para marcar encontro à mesa do Largo, no Chiado, onde o presidente da empresa controlada por Isabel dos Santos não comia há algum tempo. Escolhido para liderar uma companhia que exporta mais de 80% do que produz para cerca de 60 países – ainda que o CEO assuma que “nunca deixará de estar em Portugal” -, num “processo concorrencial”, frisa, Ângelo nunca conheceu outra estrutura. E para os acionistas a que responde (66,1% nas mãos da empresária e da Empresa Nacional de Distribuição de Energia de Angola, 33,9% com o Grupo José de Mello e a Têxtil Manuel Gonçalves), as poucas palavras que aceita dizer (“não faço comentários sobre os acionistas”, diz logo) são elogiosas. São “de enorme suporte ao desenvolvimento, envolvem-se muito” nas escolhas e no rumo estratégico de uma empresa com quase 70 anos e que está para durar outros tantos. A gestão é-lhe confiada – à sua equipa, porque “não há homens ou mulheres providenciais” -, mas assume suportar-se nos acionistas, “particularmente no contexto de turbulência por que a empresa passou”.

No final deste ano, a Efacec “valerá 500 milhões de euros, um quarto desse valor vindo do digital” – é a indústria 4.0 a funcionar -, graças à entrada dos novos acionistas e ao reforço de capital, mas em 2013 acumulava 90 milhões de prejuízos e teve de ser reestruturada. A situação crítica nesses anos obrigou a um pedido especial ao governo “para poder fazer mais rescisões por mútuo acordo” do que a lei permite. Águas passadas, diz Ângelo Ramalho, assegurando que as notícias desta semana de que estaria a ser preparada nova reestruturação e mais rescisões não fazem sentido. Na altura da crise, explica, 175 colaboradores aderiram ao programa de rescisões por mútuo acordo – muito aquém das 424 autorizadas, já que o arranque das negociações se atrasou. “O que fizemos agora foi pedir um prolongamento do prazo para aquela concessão até 2018. Que podemos usar ou não.” Lembra que no ano passado já entraram na Efacec mais cem quadros e sublinha que “não é previsível qualquer reestruturação até ao próximo ano”. “A empresa está a crescer e precisa de pessoas para manter esse ritmo, das melhores pessoas.”

É nessa lógica que a Efacec mantém uma ligação às universidades, mas também tem desenvolvido a sua capacidade de captação de talentos mais longe, em startups, por exemplo. “Já não são só os hard skills que importam, o talento pode existir aos 20 como aos 40 anos e não só em engenheiros. Pode haver antropólogos e sociólogos entretidos à volta de uma matemática nova, disruptiva, que nós não seríamos capazes de de-senvolver. Temos de dar esse salto.”

Neste momento, a companhia tem 2400 trabalhadores, 83% dos quais em Portugal. “É aqui que estão alguns dos clientes principais, é um mercado sofisticado e é cá que desenvolvemos tecnologias. Claro que o país tem a dimensão que tem, as necessidades que tem e os recursos que tem, portanto somos uma empresa exportadora.”

Pedimos água – a dele com gás – e vinho para acompanhar o almoço: um Vallado bem fresco. Enquanto nos entretemos com as torradas e as manteigas, Ângelo revela que “a Efacec cresceu e já chegou aos lucros”. Com os resultados do último ano a sair “dentro de dias”, não desvenda o valor. Mas explica como chegou aqui. Depois de 2015, “a empresa arrancou com um balanço sólido – que aportou o novo acionista – e níveis de dívida baixos, e é assim que vai continuar”. Num Portugal agrilhoado pelo endividamento – das empresas mas também famílias e Estado -, o CEO é a personificação de como é possível fazer diferente, melhor. Pela sua pauta, manter níveis de dívida cada vez mais reduzidos e cortar custos gera melhores resultados. “Nós gerámos um resultado significativamente melhor, o que é bom.” De resto, não tem dúvidas: todos temos trabalho de casa a fazer para “ter consciência profunda da dívida e saber como a reduzir. É um imperativo do ciclo que vivemos, porque dívidas demasiado grandes, caras, sem controlo significam insustentabilidade”. Há de desenvolver a ideia mais à frente.

Agora foca-se na Efacec, que tomou a opção de crescer de forma sustentável. E garante que é possível fazê-lo com ambição. Os lucros que se prepara para apresentar são a prova, mas também são um sinal. “Em primeiro lugar, para nós, para a autoestima da equipa – mesmo tendo consciência dos imensos desafios que há pela frente e que não podemos abrandar o ritmo -, mas também para os stakeholders, a quem damos um sinal de que a aposta vale a pena” e que conseguem ter retorno. “Os acionistas investem nas empresas, assumem riscos, é lógico que sejam ressarcidos. Comigo e a minha equipa, quero que o sejam sempre.”

Engenheiro de formação, começou em funções técnicas, passou pela Shell, esteve uma década na Galp e outros dez anos na Alstom – tendo sido distinguido pelo governo francês com as insígnias de Cavaleiro da Ordem Nacional do Mérito pelas conquistas notáveis em prol de França. Mas é na vela, uma das suas paixões, que colhe as diretrizes para conduzir a empresa. É um exercício de equilíbrio “entre rumo e bom vento. Estamos nesse processo de acertar o rumo, afinar velas… claro que depois há as condições do mar, tempestades; não podemos controlar o mar, mas temos de nos preparar, sempre enquanto equipa. Às vezes não é fácil manter as equipas a bordo em mares mais alterosos…” Diz que não adianta ignorar as tempestades que há pela frente – mas questões como a presidência de Donald Trump, as convulsões políticas na Europa ou o brexit não o assustam.

Depois de Portugal, o segundo mercado da Efacec é o Reino Unido, com 10% de quota, mas não havendo ali fábricas o efeito dilui-se. “O Reino Unido tem standards próprios e nós estamos próximos para lhes responder de forma personalizada. Se esses parâmetros fossem alterados, era uma preocupação – mas seria sempre uma coisa à la longue, e teremos sempre a capacidade de nos ajustarmos.” Para isso, é preciso “ter muita informação e capacidade para transformá-la em boa informação em tempo útil”. Pelo que quanto mais olhos se concentrarem num assunto, melhor. “Cada um extrai o que é importante para a sua atividade, foca-se no essencial, sempre atento ao objetivo e a quem possa precisar de ajuda. Voltamos à vela: há sempre um tripulante que pode ajudar se o cabo encravou ou o vento é muito forte.”

De qualquer modo, a diversificação de mercados ajuda a manter alguma segurança. “Ainda que gostasse de ter menos dispersão e mais rentabilidade, isto traz vantagens.” O resto é uma questão de ajustes permanentes. “Temos de analisar, perceber, fazer alterações, o que for necessário para chegar ao alvo definido.” Ângelo não gosta de surpresas, “nem das boas nem das más”, porque são sinal de que houve qualquer coisa mal planeada, mal controlada ou mal executada. “Temos de construir previsibilidade e é possível fazê-lo mesmo em ambientes onde há muita criatividade, onde há situações de disrupção. Nós sabemos, quando arrancamos com um projeto, qual é o nível de risco, a probabilidade que temos de o levar ao fim com determinado grau de sucesso.”

Com o meu pregado corado – fresquíssimo e muito bem acompanhado de puré de couve-flor, cogumelos shitake e aromas de Bulhão Pato – e o tagliolini fresco com camarão, pinhões e manjericão (que também não desilude) a chegarem à mesa, diz-me que todos os dias analisa a sua prestação. O objetivo é “perceber qual foi o valor que acrescentei naquilo que fiz, se mereci o meu salário.” Racional – “gosto de racionalizar as emoções”, confessa -, reconhece que nem sempre é ótimo, mas o importante é que, na maior parte dos dias, “o salário seja amplamente merecido”. E para isso há que trabalhar e envolver todos, garantindo uma comunicação clara e transparente.

“Numa empresa de conhecimento, de tecnologia, temos de ter pessoas que tenham satisfação no que fazem e no ambiente em que trabalham, que gostem da sua equipa. Tudo tem estes pressupostos: competitividade e transparência na forma como o fazemos.” Por isso, Ângelo fala muito com as equipas sobre o que vão fazer a seguir e faz questão de construir diretrizes top-down – primeiramente validadas com os acionistas – e também bottom-up, para que haja partilha de objetivos, abertura a ideias e soluções alternativas e que todos remem motivados e no mesmo sentido. E nisso é essencial que toda a gente saiba a importância do que está a fazer. “Saber o seu papel e em que medida é que a sua parte contribui para o sucesso do todo. Gerir conhecimento é fundamental – incluindo o que os mais velhos passam aos mais novos.”

Totalmente autossustentável, a Efacec continua a fazer investimentos, como a recente injeção de 15 milhões para investigação e desenvolvimento. É tão essencial como “definir bem como se tira o melhor partido desse investimento”. Mas nem sempre é simples: “É um processo longo, não se cria um produto novo de hoje para amanhã, há um ciclo de desenvolvimento e de maturação até entrar em produção, que leva meses, anos; há que ter foco e persistência para que chegue ao fim.”

Uma das áreas em que a Efacec mais tem apostado são as baterias para carros elétricos, em que é pioneira. “Construímos soluções absolutamente inovadoras que nos tornaram líderes nos carregadores de carga rápida, os mais sofisticados. É um mercado emergente e estamos preparados para o crescimento que está a acontecer.” Concretiza: já há baterias com mais de 400 km de autonomia, o que era impensável há três ou quatro anos, e o processo de evolução tecnológica e do custo associado é muito rápido. Daqui a ter a tecnologia a um preço compatível é um passo. O CEO admite que estes atributos são mais valorizáveis nuns mercados do que noutros, conforme o grau de sofisticação das sociedades. Mas não duvida: “O crescimento do veículo elétrico será fortíssimo – só ainda não sabemos em rigor quando, como e onde.” Mas arranca com vantagem: “Trabalhamos muito próximos dos construtores, sabemos o que os grandes grupos automóveis estão a fazer em termos de mobilidade elétrica e somos parte desse processo.”

Esta ligação e a capacidade de inovação e competência técnica da empresa resultou num contrato com a Porsche para fornecer carregadores rápidos de grande autonomia – os primeiros no mundo com potência de 320 KW (até então eram 50 KW). Mas deixa de fora dois grupos, a Tesla e os chineses. Acontece que a Tesla está para os carros elétricos como a Apple para os smartphones, e o mercado elétrico chinês posiciona-se nas gamas mais baixas, para mitigar os problemas ambientais do país. “As parcerias são feitas quando há interesse recíproco, e isso pressupõe uma estratégia. A Tesla, sendo um sistema proprietário, criou um standard próprio que é distinto dos de todas as outras fábricas.” Ou seja, as outras marcas criaram parâmetros, entenderam-se e partilham-nos – e a Efacec corresponde a essa ampla fatia de mercado -, enquanto a Tesla avança a sós.

Dito isto, Ângelo não duvida de que a mobilidade elétrica é incontornável e já nem depende de nova escalada do preço do petróleo para evoluir. “Toda a gente vai estar na mobilidade elétrica. Os construtores europeus estão a virar-se para os topos de gama – também há soluções em carros de baixa gama, mas nos clientes de segmento premium há grande consciência ambiental, e se houver associado ao produto algo distintivo, nomeadamente no que diz respeito à utilização de tecnologias de informação e de comunicação, no fim do dia temos produtos verdadeiramente diferenciados e atrativos.”

É pela inovação que a Efacec se tem destacado e a mobilidade elétrica está longe de ser caso isolado. Ainda recentemente, a empresa portuguesa embarcou para os EUA dois dos maiores transformadores alguma vez feitos em Portugal – 400 toneladas, 13 vezes o peso de um camião com carga, cujo carregamento no navio que os levou à Costa Leste obrigou a ampliar e reforçar o cais do porto de Leixões. Como é que se destacou de outras gigantes nesta área? “O diabo está nos detalhes”, diz o CEO, enquanto terminamos o almoço. Explica que a empresa está há muito tempo nos EUA – “Las Vegas e Nova Iorque são cidades cujos sistemas de distribuição de energia estão muito apoiados em equipamentos da Efacec”. Este tipo de equipamento é como um “fato à medida, portanto, é preciso conhecimento técnico para o desenvolver e capacidade de manufatura. Nós temos ambos e conseguimos fazer em qualidade, a tempo e a custo competitivo”.

Rejeita a ideia de que as empresas portuguesas só conseguem ser competitivas nos mercados emergentes – nem vê nisso grande sentido, dado serem países de risco alto e recursos limitados. “Temos de ser competitivos nos mercados competitivos. Se somos europeus, sejamo-lo na Europa. Este é o nosso ginásio.” Evoca outro dos seus hobbies – corre 40 km todas as semanas e faz duas maratonas por ano – para ilustrar. “Temos de estar fit todos os dias, não é só quando passamos à frente do espelho. Temos de ser competitivos, competentes, ter resposta rápida – a Efacec está a demonstrar ser capaz disso -, e o resto vem por acréscimo. Os Brasis, as Áfricas são importantes, mas o mundo é imenso e está cheio de oportunidades.”

E lá fora reconhecem-nos esse ímpeto? “O que nos falta enquanto país é conhecermo-nos verdadeiramente, é quem nos fale verdade. Temos de ter consciência dos nossos atributos – dos positivos, que nos dão vantagem, e dos negativos, que temos de resolver. Há que falar disto sem preconceito: sem um bom diagnóstico não podemos evoluir.” Sendo um otimista, Ângelo acredita que lá chegaremos, mas teme que esse movimento não seja suficientemente rápido. E quanto mais tempo nos arrastarmos, “mais frustrações acumulamos, e não saímos desta espiral negativa. E sair da espiral significa começar a reduzir dívida”. É o principal problema do país? “Há outros, mas esse é estruturante porque traz falta de confiança, juros mais caros… O país paga hoje em juros o que gasta em saúde e educação. Não pode ser! Estamos sempre à espera que nos digam o caminho; temos de deixar de ser uma sociedade paternalista – e há muito paternalismo no discurso político – e passar a ter iniciativa. É o que eu quero na minha empresa. E que no fim do dia se entregue em linha com aquilo que se prometeu, em vez de contar histórias.”

Defende que as regras são para ser cumpridas e a disciplina é estruturante. “É a linha que nos separa dos países do Norte: uns têm disciplina e capacidade de se organizar e outros têm menos disciplina e menos capacidade de se organizar. E isto, ao longo de anos e anos, resulta em acumulação de riqueza ou de défice.” A interpretação pode ser fruto da peculiar forma como escolhe as viagens que faz, focando-se na vontade de conhecer outras culturas, de ver como se organizam as sociedades que tem por mais desenvolvidas do que a nossa.

É já com os cafés à frente que viramos ao lado mais pessoal de Ângelo Ramalho. Hoje com 52 anos, foi já nos 30, quando achou que os filhos já podiam entrar num barco, que se estreou na vela. E se hoje não pratica muito, ali colheu grandes lições. “É a combinação entre as competências técnicas e a capacidade de nos gerirmos em equipa. Se não tivermos a técnica não podemos contribuir para o jogo de equipa. E há que criar automatismos para sabermos o que fazer quando o skipper muda de bordo, para percebermos o que vai acontecer e agirmos ainda antes, para que tudo aconteça smoothly. Passei isso aos meus filhos.” A relação com João e Ana, de 22 e 18 anos, a estudar Engenharia e Economia, passa também por aqui. “Procuro incutir-lhes que atuem com princípios e façam as coisas certas. Que se questionem: estou a fazer bem e no bom sentido, ou estou a fazer bem mas é uma rica asneira?”

Com uma bateria de reuniões pela frente, é hora de nos despedirmos. Mas há tempo para me explicar porque desistir é coisa que não lhe entra no sistema. “Isso nunca. Posso ter de encontrar um caminho alternativo, mas ter de desistir significa que houve qualquer escolha, à partida, que foi mal feita.”

Largo

› 2 couverts

› Água lisa

› Água com gás

› Vinho branco Vallado

› Tagliolini

› Pregado corado

› 3 cafés

Total: 80,80 euros

 

Fonte: Diário de Noticias